Césio-137 é identificado no Rio Ribeira (SP) e revela marcas invisíveis da ação humana no ambiente
Esses vestígios funcionam como marcadores temporais associados ao Antropoceno.
Kell Kell / Wikimedia Commons
Mesmo em áreas pouco modificadas pela urbanização, já é possível encontrar registros da intervenção humana no planeta. Um estudo conduzido na USP identificou a presença de césio-137 em sedimentos da planície fluvial do Rio Ribeira de Iguape, no interior de São Paulo, um radionuclídeo liberado na atmosfera durante testes nucleares realizados entre as décadas de 1950 e 1980.
Esses vestígios funcionam como marcadores temporais associados ao Antropoceno, período caracterizado pela influência humana sobre os processos terrestres e cuja definição oficial ainda é tema de debate científico.
O material detectado no Ribeira de Iguape não tem relação com o acidente radiológico de Goiânia (1987) e aparece em concentrações muito baixas, sem risco à saúde, segundo o estudo.
A pesquisa foi realizada pelo geógrafo Breno Schmidtke Rodrigues, que defendeu em junho de 2025 sua dissertação de mestrado na USP, orientado pela professora Cleide Rodrigues e coorientado pelo professor Rubens Cesar Lopes Figueira.
“O césio-137 foi disseminado globalmente a partir de testes atmosféricos de bombas nucleares realizados entre as décadas de 1950 e 1980”, explica Rodrigues.
Esse período é conhecido pela ciência como a “Grande Aceleração”, quando as atividades humanas começaram a transformar a Terra de forma mais intensa.
O pesquisador destaca que o uso do césio-137 como referência não significa que o Antropoceno já tenha sido reconhecido oficialmente como uma nova época geológica.
Imagem extraída da Disertação de mestrado Marcadores radioisotópicos do Antropoceno em sistemas fluviais meândricos: identificação de traços de Cs-137 no baixo Ribeira (SP).
Pesquisa USP
“Importante salientar que atualmente o Antropoceno não é formalizado como unidade do tempo geológico, mas é considerado por alguns pesquisadores como um evento geológico e utilizado como categoria ou recurso analítico por outros cientistas”, diz.
Amostras e resultados
Para o estudo, amostras foram coletadas em quatro pontos da planície fluvial do Ribeira: no canal principal, em áreas alagáveis, em uma bacia de decantação e em um meandro abandonado, uma antiga curva do rio que hoje se comporta como um pequeno lago.
Os testes de laboratório mostraram a presença de césio-137 em todos os locais. As maiores concentrações apareceram nas áreas onde o sedimento se acumula mais lentamente, como a bacia de decantação e o meandro abandonado. Já no canal, onde a correnteza é mais forte, o material tende a ser constante movimentado, o que dificulta a medição.
O pesquisador também identificou um pico de deposição do césio-137 referente ao ano de 1963-1964, coincidindo com o auge da precipitação radioativa global causada pelos testes nucleares da Guerra Fria.
“Na literatura e em estudos anteriores, esse pico relaciona-se ao período de 1963-1964, marcado pelas maiores detonações de armamentos nucleares da Guerra Fria”, aponta o pesquisador.
Sem risco à saúde
Sobre os riscos, Rodrigues reforça que os níveis de Cs-137 encontrados são muito baixos e considerados residuais, não apresentando risco à saúde humana e ambiental.
Os níveis de Cs-137 encontrados são muito baixos e considerados residuais
Prefeitura de Eldorado/Divulgação
A dinâmica natural do rio – com processos de erosão, transporte e deposição de sedimentos – influencia diretamente onde o elemento se acumula. Esse padrão pode ajudar a compreender também como outros contaminantes, como metais pesados e microplásticos, se comportam nos rios.
Conservação
Do ponto de vista ambiental e geológico, o estudo reforça que a ação humana deixa marcas duradouras na Terra, mesmo em regiões aparentemente preservadas. Para Rodrigues, essas marcas não apenas registram o impacto humano, mas também servem de alerta.
“O que talvez a pesquisa sinalize é uma demanda de proteção e gestão de nossos rios. Os traços de Cs-137 em si não oferecem risco, mas podem ser um alerta para pensarmos na conservação desses sistemas, que no Brasil são uma das principais fontes de água para abastecimento público.”
A equipe da USP agora pretende publicar os resultados em revistas científicas e ampliar o estudo para outros rios paulistas, avaliando diferentes marcadores do Antropoceno.
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